sábado, 3 de novembro de 2018

A digna grandeza sóbria

Cada dia mais difícil lhe era suportar no exterior o luz e ruído, o aglomerado de gente e o sem sentido dessa dissonância. Inventariava, ao anoitecer, o percurso mínimo e mais breve permanência, meticulosamente, curtas incursões. A distância tornara-se pesadelo por causa da permanência que lhe alongaria ao tempo.
Escolhia sobretudo as horas. Uma longa paciência fazia-o descobrir o momento mais provável em que uma exigência não fosse agressão. 
No recôndito local encontrara o local certo para comprar comida e onde comer. Era dos poucos que ali frequentava a estação dos correios, porque raros eram já quantos escreviam cartas, igualmente os que recebiam livros. 
A tudo isto sobejava no quotidiano a farmácia, estranhamente o que ficara de um antigo horto e uma venda de materiais de construção.
Com tanto se bastava e era, afinal, pouco. A neurose da solidão diminui-lha a necessidade e o desejo.
Habitava, pois, um mundo recolhido, onde reconstruía o interior depredado, conquistando, sala após sala, do lugar a digna grandeza sóbria que em tempos conhecera. Fazia-o pelo esforço das suas próprias mãos. 
Nessa manhã picava, paciente, o apodrecido reboco, que, caindo envolto em pó, devolvia à vista a primitiva tijoleira, ocre, incerta, esboroada.