sábado, 28 de janeiro de 2017

O provável acaso


Conseguira, com esforço e paciência, multiplicando tentativas, recuperando o que fora encontrando, entre o disperso e o descuidado, pelas salas abandonadas do velho casarão, compor um recanto a que poderia chamar seu. Os dias gélidos de Inverno restituíam-no ao interior de onde saía o necessário apenas.
Vazio ainda o espaço, aguardava que conseguisse trazer para cima, um a um, os móveis que minuciosamente polira, aplainadas as falhas na madeira, remendados tecidos que o bolor fizera desbotar, lavada a baixela já ímpar ante quanto se perdera.
Houve tempos em que o esmero era ali regra, o desalinho falta de condição. O mundo a reconstruir tentava ser disso um pálido espelho.
Vinda do exterior, a luz do amanhecer tinha-lhe restituído a esperança, compensando na alma a força que no corpo lhe faltava.
Depois, havia o como subir o pesado roupeiro, maciço, de fundas gavetas que um qualquer artifício tornavam inseparáveis do corpo, ao qual um pesado mármore dava cobertura, azuláceas veias sob a alvura, como as dos seus braços pendentes, agora que adormecera, caído no chão, meio por ler, um jornal antigo que o acaso provavelmente trouxera.

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