domingo, 29 de setembro de 2013

O perpétuo surgir


Talvez eu pudesse ter sido qualquer outra coisa de ordenado e coerente, seguindo a vida linearmente, acumulando experiência e energia, multiplicando memórias de bem-estar, dando-me benefícios de gozo e instantes meus de luxúria ainda que não do corpo.
Mas foi tudo errático, ocasional, disperso, ditado pelo acaso, perdendo por vezes mais do que ganhava e, sobretudo, sem ter aprendido a calcular. Esquecer foi método e meio para o contentamento e sobretudo para o conformismo.
O auto-didactismo não deu sequer em erudição. Por isso à mesa, nesta família de acolhimento em que me oficializo como preceptor, sendo na verdade quase um adoptado, opto  pelo mutismo e pelo saber ouvir. Faço do silêncio dignidade.
Ontem à noite tiveram como convidado para o jantar um viajante, daqueles cuja fortuna permite estar sem que o tempo ou a realidade o aflijam. Falou incansavelmente sobre lugares de magnífica invulgaridade, como se neles o tempo tivesse parado confinando uma breve horda de habitantes de língua excepcional e vida indecifrável. Ignoravam o que era Domingo e com ele a tristeza vaga como a sentimos nas cidades. Nem Sábado tinham propriamente ou outro dia, porque em cada um festejavam da Luz o surgir perpétuo, como se orassem ao milagre do ressurgimento.

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Fonte da foto: aqui