domingo, 28 de outubro de 2012

O horror ao vazio

Cheguei de uma viagem de uns dias a perguntar-me se estranhariam a ausência. Não que o trabalho não tivesse ficado destinado ou o que se adiou sofresse com isso prejuízo. Há nisso em mim uma meticulosidade estudada que me poupa aos dissabores das falhas.
A questão é haver em cada um a ideia de que o vazio ocupa lugar no horror de todos os outros à nossa falta.
Mas foi o «ah! é você», vindo da porta entreaberta da saleta privada de Madame, que fez as honras de recepção. Como se a intruso ou ao incómodo do inesperado. E o breve embaraço, contrito.
«Falamos depois», acrescentou como se a prometer, em compensação por silêncio a que assim me obrigasse.
Hesito, agora que escrevo, recolhido ao quarto, a mala aberta ainda por arrumar, se, ao recolher-se, teria composto da indumentária alguma ousadia que eu não devesse ter prescrutado, ademais atenta a minha condição.
São estes os momentos em que o desejo se transforma em ilusão e assim nasce a fantasia.
Tivesse coragem e desceria a escada, ao alcance do que se ouvisse da escada, ou bateria inconvenientemente à porta, surpreendo-lhe o corpo e a companhia. 
Assim resta-me imaginar uns passos que desçam, assim tudo sossegue, cautelosos na rapidez discreta e o ranger inevitável da porta a recolher-se. A da rua essa, pesada, como a respeitabilidade aparente de tudo isto, ecoaria, pesada, e com fragor, anunciando do acto o facto.
Daí a das traseiras, lateral, quase inutilizada, possivelmente.