Olho para a última folha escrita neste caderno e dou conta do intervalo que existiu. Nisso não é um diário.
A minha vida desde a passada semana encontrou, enfim, a rotina dos deveres.
Tudo nesta casa tem um ritmo certo, o jantar pelas sete e meia o almoço pelo meio-dia e meia. Nessa meia hora de avanço vejo um sinal de diferença, mas os da casa vêem nisso um símbolo de distinção.
«Só na aparência do chic os senhores comem tarde», comentava Madame num destes dias, quando numa conversa já sem chama, um circunstante referia o facto de até nos restaurantes a criadagem tomar as refeições antes daqueles que servem.
Mais tarde entenderia porquê. É que há que encontrar espaço no dia para o chá das cinco e seu longo estender da inércia, o tempo arrastado, e o jantar, na lógica do «a bem dizer somos doentes, por isso comemos pouco», circunscreve-se a uma sopa ligeira, e pouco mais, cedo se recolhendo à cama, porque no Inverno o frio enfrenta-se melhor com cobertores do que com caloríferos.
Pela calada da noite, surpreendi-os por mais de uma vez, o silêncio sorrateiro, tacteando na despensa, a fome enganada a biscoitos, os pés descalços, o corpo tiritante.
No dia seguinte o mundo fingido retomava o seu curso normal, torrado o pão da véspera para o pequeno almoço.
«Gente sem condição a que vive para o estômago», disse-me Madame um dia, imaginando-me o do apetite a voracidade.
No dia seguinte o mundo fingido retomava o seu curso normal, torrado o pão da véspera para o pequeno almoço.
«Gente sem condição a que vive para o estômago», disse-me Madame um dia, imaginando-me o do apetite a voracidade.