domingo, 16 de outubro de 2011

A silhueta de um olhar

Talvez um recanto de parede, com o reboco a esboroar, ou um muro de pedra assolado por líquenes e atapetado de musgo tenham mais história do que a monotonia de vida de certa gente. Tenho-me perguntado, perscrutando o silêncio abafado destes longos corredores, em que esgotarão os dias aqueles poucos com os quais me cruzo quando se dão à vista de todos os outros.
São talvez assim as famílias cuja nobreza seja a recolhimento, poupando-se à vulgaridade da presença, defendendo-se da banalidade do vulgar coloquial. 
Esta manhã de domingo, na rampa empedrada que conduz à linha de água, e nela se atravessa uma pequena ponte para um pequeno bosque, iniciado por uma empinado montículo, onde todos os mistérios e enigmas são possíveis e mesmo até, no seu sombrio, intimidades e segredos, vi-a. 
A silhueta recortada desenhava um leve ondular, feito de passos curtos de minúsculos pés, e de um ligeiro alçar, a mão em bico, a prega do folhado e assim o longo vestido, para que não arrastasse pelo chão. 
A certeza tive-a quando, ao franquear o momento da ponte, olhou para trás como quem quer ter a certeza de não ser seguida, ou até mesmo a segurança de não ser vista.
Poderia ter sido o respeito que me levou a esconder-me, rápido o gesto, por detrás da cortina. Mas foi o pudor, um nascente sentimento, gémeo do desejo, filho da curiosidade, que me fez evitar-lhe o olhar.