quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A necessidade e a honra

Podia ter sucedido em qualquer outro dia, mas foi naquele dia. Chegou o primeiro correio para a que seria doravante a minha nova morada. Uma carta do banco e um embrulho oriundo de uma livraria. 
Hesitei qual abrir, se começando pelo que sabia poderiam ser más notícias. Eram. O saldo da minha conta bancária descera uma vez mais abaixo da linha de água. 
Não sei se sabem como é a vergonha de uma pessoa consigo mesma por não saber onde encontrar com que honrar os seus compromissos. E eu tinha compromissos que me sujeitavam àquele trabalho. Não vem a propósito falar deles, porque a própria memória afunda-os nos recantos da lembrança, tornando-os rotina. Apenas os débito em conta, pontuais, certos na sua regularidade mensal, os fazia ser verdade e pesadelo. Além disso eu tinha do estilo cavalheiresco a ideia de que em caso algum perguntaria quando me pagariam naquela casa pelo meu trabalho. Mesmo o quanto ficara na penumbra da indefinição.
Tenho-o agora aqui comigo, ainda por abrir, o que sei ser o livro. Talvez lê-lo me ajudasse, refugiando-me nas suas páginas, misturando-me nas suas páginas. Podia ser uma história russa carregada de aristocracia e de salões literários. E de melancolia amorosa.
Sei tudo antes de ler e por isso não leio. O que eu recuso na vida não é a história da vida, é ter de ser eu a vivê-la.Como uma peça musical de que fosse o magnífico intérprete e o impossível compositor.