quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O contra-tempo

Começaria cedo o meu dia de trabalho, não fora um contra-tempo. Chovia, inesperadamente, uma chuva vingativa, a ensopar a terra, tornando-a lamacenta, a fustigar as árvores, partindo-lhes os ramos, puxada a vento, oblíqua, uma chuva perante a qual o homem fica indefeso, sobretudo o homem que a enfrentaria com um guarda-chuva, e eu certamente assim o faria. 
Tinha planeado que começaríamos com um passeio pelo campo. No caso o campo seria a longa extensão nas traseiras da casa, que conduz à linha de água para onde agora a chuva escorre, revoltada e enfurecida, enovelando-se com o aluvião que levava em torvelinho.
Tenho agora diante de mim o que serão os meus alunos. Ele, a meio caminho da adolescência, figura hirta como se em cada gesto seu houvesse uma continência militar, rígido na roupa, tal os que temem uma ruga na camisa ou o descair do nó da gravata e usava disso mesmo, ridiculamente antecipado para a sua idade. «Talvez pudéssemos começar então pela biblioteca», arrisquei, não a tendo visitado ainda sequer para me inteirar do seu conteúdo, pelo que não saberia que livros nem a que propósito.
Foi então que Madame surgiue inesperada, imensa: o dia ia ser totalmente diferente. A menina tinha, afinal, prova na modista. E que da próxima vez eu a inteirasse dos horários das minhas aulas. 
Ser doméstico, e nisso me tinha tornado, resignei-me, disciplinado, sem uma palavra de réplica. 
A garota olhou-me, então, o olhar desafiante,  como se por um instante fosse a própria mãe na provocação da autoridade e mulher no provocante ao exercê-la.