Não faria seguramente parte da educação de um cavalheiro saber que um sapato formal é por definição de borzeguim e orelhas e nunca de pala: as partes superiores cozidas por baixo da gáspea, fechados por atacadores por cima de uma língua. Nem que com um par de broguers, um oxford e um monkstrap tem tudo quanto precisa, desde que se inclua a calçadeira e a forma interior para que não deforme ou crie rugas. E que o excesso desvirtua, assim como a meia a três quartos evita o horror da nudez da perna, arregaçada que a calça esteja, imprudente. O enfeite na biqueira destoa logo, como um feminino colar de berloques em noite de cerimónia. Denotaria vulgaridade.
Naquela casa, porém, nada era deixado ao acaso, nem sapato havia sobre o qual não se perguntasse, na intimidade do cerimonial do trajo, se não era de cordovan, o contraforte reforçado, a alma ajustada à sobressola e sobretudo se era propositado.
Engraxados, aguardavam em disciplina silenciosa o seu momento. O acto de os usar era um caso pensado. O acaso não entrava na tradição, nem a originalidade. Nada era demasiado afirmativo, a ousadia conhecia como limite a contenção.