Talvez um dia estes escritos se tornem num livro, não que eu os edite, mas porque não tenha tempo de os suprimir e eles caiam no domínio público que são as mãos de todos os outros. São notas do interior, retalhos da vida vivida e da que vi viver, ou melhor, aquilo que a memória transforma como verdade e me convenço de que é essa a realidade do mundo objectivo.
Muitas noites, ao recolher a este cubículo pergunto-me se o sucedido poderia ter acontecido. Adormeço, por vezes, com a ladainha de todos os mundos possíveis, a resposta que poderia ter dado, a cena que poderia ter evitado.
Ainda esta tarde, pela hora do chá, a nódoa incómoda que escapou da torrada pelo meu descuido com a manteiga. Coloquei-lhe, é certo, o pires em cima do local ostensivo da minha falta. Quando derem por ela talvez fique a ideia de que não fui eu; e nada como uma ideia plausível precisamente para que isso seja o aceitável, primeiro, o adquirido depois. Em frente a mim, a minha incipiente aluna, entre o enigma do aborrecimento e a aparência da indiferença teve a gentileza de fazer de conta que não notara.