É o mais difícil tempo do ano para os que estão sós, para os que querem estar sozinhos, para aqueles que não conseguem sentir-se acompanhados, os que perderam família, evitam amigos, para os que se buscam como se a própria sombra perseguissem num rodopio até à náusea e a queda.
Tudo começa com uma vaga melancolia ante as decorações domésticas para se transformar na nostalgia da infância quando pelos recantos da casa o odor macio das sobremesas traz a lembrança da doçaria e a noite em claro na expectativa dos presentes. O pior de tudo é acolher-mo-nos, como se emprestados, ao Natal alheio.
Este ano consegui sair mais cedo, a pretexto de uns «meus» que visitaria e que, acreditassem, me albergariam na sua consoada.
Felizes com uma semana a menos nos forçados estudos, aqueles para quem sou oficialmente apenas «o perceptor» sorriram-me o entusiasmo do seu egoísmo. Mais o rapaz, pela inconsciência ante o que significa eu estar e ausência de desejo de que possa essencialmente ser.
Apenas Madame, olhando-me daquela forma míope através da qual me distancia, ousou perguntar-me aquele «não acha que o Natal é a Festa da Família?» que significava descaradamente a mentira que ousava jogar-me no diminuído rosto. «Deixa-o, lá», rematou, pela primeira vez arrogante, o senhor que nesta casa é dela o marido e do resto indiferente: «Vá, para onde for, regressará».