Contratado como perceptor acabei por me tornar uma espécie inominada. Secretário, por exemplo, que é a forma pela qual me incumbo de organizar a dispersa papelada, mesmo a inconfidente, ou bibliotecário, quando do alto do escadote me ocupo de resmas de inesperados livros, muitos surpreendentes.
Ontem Madame pediu-me que a ajudasse na catalogação das fotografias. Cedo percebi que eram as suas. Silenciosamente tentei encontrar um critério, o da cronologia na aparência o mais fácil até me ter encontrado com a dificuldade em encontrar forma de o concretizar.
Talvez fosse a sua presença, pressentida pela respiração que me tirasse a naturalidade ou o calor do corpo, de tal modo presente, me transportasse para o território ambíguo do embaraço.
Num instante eu estava preso na ratoeira que me levava a hesitar perguntar pela idade que daria àquele acervo lógica e ordem. Com o que não contava e ante o que não sabia como sair.
Naquele instante prendia-se-me entre os dedos uma foto sua ostensivamente reveladora, tarde demais para a dissimular quando irrompeu o «Não mudei assim tanto, pois não?», a voz impúdica, explorando para gozo próprio a mediocridade da minha insuficiência em saber como responder-lhe, atrevendo-me.
«Foi também no Verão, um dia quente como a noite de hoje», disse-me com a totalidade pujante da sua carnalidade, tremendo-me, hesitantes, as mãos.