No Verão hesitavam em sair por causa de o fazerem todos os outros. Pesava, porém, o inóspito calor que esganava a casa em muitas das suas divisões. Como vultos os habitantes passavam entre salas escurecidas. À obsessão pelo calor juntava-se a perseguição aos insectos.
Antes do findar da manhã iniciava-se o ritual das gelosias, cortinados, portadas de madeira, a encerrar. Ao entardecer era o inverso cerimonial, mas antes da hora de se acenderem as luzes no interior, pois estas, ainda que frouxas, eram faróis a guiarem as esquadrilhas de mosquitos, vingativos, preparados para ataques nocturnos em voo picado, o silvo como o dos caças em raid aéreo.
«Quando eu era garoto em minha casa ouvia-se a BBC» soltou o senhor engenheiro o tempo suficiente para ter compreendido a impropriedade da expressão a denotar mais idade do que socialmente lhe era permitido no quadro daqueles filhos tão jovens. «Não foi assim há tanto tempo», rematou, já sem sucesso, ante o olhar cortante de Madame.
Nessa noite fez-se servir do jantar na biblioteca em cujo canto organizara o seu escritório. Fui visitá-lo pela hora do café. «Na minha também», respondi-lhe, como se a conversa não tivesse tido intervalo e a doçura abafada do ambiente desse razão a essa familiaridade. «E a rádio alemã também, por causa da minha Mãe que não se conformava que os ateus russos fossem apoiados pelos ingleses», acrescentei, a tentar que o tema subistisse, fingindo-o actual, como se num consolo.
«Hoje parece tudo longínquo», rematei, porém, imprudente.
A resposta do silêncio deu-me o sinal que era o instante de me retirar. «Obrigado, café hoje não», ainda disse, antes de franquear a porta para o salão iluminado.