sábado, 31 de março de 2012

A Mãe

Quando se atrasam nos pagamentos, somem-se pelos cantos, entre o pudor e a vergonha. O ter pouco dinheiro faz parte da pedra de armas destas famílias, o ficar a dever irmana-os ao que mais odeiam, a classe média e seus calotes. É a frugalidade não a pelintrice o seu brasão. Por isso as refeições são sempre em casa, a roupa passa para os filhos mais novos. 
O envelope com o meu estipêndio deste mês tardou a vir. Mas é assunto em que não se fala. Há neste meio um código de conduta sobre o dinheiro feito de silêncio, forma superior de elegância, vulgaridade que não partilhariam com a criadagem. 
«Tenho uma transferência a fazer amanhã», disse, como quem, desajeitado a comer, deixa cair tímido, uma nódoa numa gravata. «Para a minha Mãe», acrescentei, sem querer magoar com a alusão, como um pedinte desculpando-se de o ser, apelando à compaixão, que é a forma dos humildes tentarem ter dignidade ma insuficiência. «E como está ela?», responderam-me, logo corrigindo o plebeu «ela», que se lhes escapara dos lábios tartamudos, «a senhora sua Mãe».