A doença é uma oportunidade quando não é uma dádiva. Permite o refúgio e justifica a ausência. E até a ociosidade. Isolei-me aqui sob o pretexto de que a ausência de febre poderia indiciar um mal maior e talvez a tosse doença que contagiasse.
Depois são os cuidados domésticos mesmo a quem não tem linha directa que o torne deles beneficiário legítimo. Entraram-me há pouco sob a forma de uma canja e uma torrada.
Sentou-se na borda da cama, defendida pelo meu estado enfraquecido que, acamado, franqueia uma intimidade de outro modo embaraçosa, o tabuleiro enfeitado com uma pequena flor.
«Espero que goste», disse-me, enrolando as mãos no avental, evitando o olhar, como se um segundo pensamento lhe desse outra intenção, a silhueta recortada como uma transparência provocante.
Tentava orientar-me entre o equilíbrio precário do prato e o receio de me escaldar quando ela disse: «foi feita a pensar em si». «Acho-o tão magro», acrescentou, «logo no primeiro dia que entrou nesta casa. Tem de ter quem trate de si».
Foi aí que se iniciou o febrão que me consumiria a semana. Primeiro pela intenso olhar, logo pelo bater do coração. Descompassado, fibrilhante. Aprisionara-me a visão daquela presença e o desejo de a prolongar.