Talvez esta profissão seja o território de refúgio da minha impossibilidade em ser aceite. Na minha condição basta o ser tolerado enquanto útil, consentido porque necessário. Tentei durante estes anos transformar a minha pessoa na minha função. Preparo-me para ela com a sujeição nocturna e silenciosa a horas madrugadoras, envolto sob o recato de ser dos poucos acordados nesta casa.
Barbeio-me demoradamente, engomadas as camisas, engraxados os sapatos.
Pelas sete estou sentado na borda da cama a aguardar já o começo do dia e com ele os meus deveres. Há dias em que um homem gostaria de não acordar mais sem ter dado conta que já não era sono o que dormia. Dias de apagamento em que a noite própria se prolongasse, eternizando-se como a carícia de quando nos ajustavam os cobertores para que o frio não chegasse.
Passos infantis ou a inquietação de um adolescente, tanto faz. A vida que não existe murmura-nos a sua tentadora presença, amortecido sons, incertos. Estridente como a hora em que já não há mais possível surge o instante. Descerei então as escadas, sem uma expressão que me traia os sentimentos.