Tornar-se livreiro daria algum insignificante sentido à sua vida, ajudaria talvez a vencer a solidão, se o quisesse. Mas estar só tornara-se, entretanto, o seu modo de ser.
Aquela casa, outrora uma povoada mansão, era agora refúgio, habitado por si e apenas por um casal, já idoso, que se conservara, fiel aos seus antigos patrões, num anexo ao fundo do jardim, nas traseiras da vivenda, o único espaço que, por eles acarinhado, se conservara cuidado, os únicos que lhe garantiam a comodidade de alguma ajuda.
Uma livraria talvez, mas num futuro, eventualidade a pensar, assim surgisse da ideia um contorno mais concreto e não apenas um impulsivo sentimento.
Custava-lhe, como se os desprezasse, vender o que fosse e a quem seja, os livros daquela infinita biblioteca, de que se ia apercebendo agora a diversidade dos temas, o cuidado da selecção, conseguido que estava reconstituir-lhe uma certa ordem por sobre o caos em que os haviam tornado.
No momento presente, o desejo, difuso embora, era o de escrever, talvez editar-se como forma de levar a outros a sua voz.
Era essa a forma em que se revia a ter companhia, presenças sem intromissão, leitores que lhe escrevessem talvez, mas não humanos que irrompessem na sua vida, mesmo que desejados ou apenas apetecidos.
Neste entardecer deu consigo a olhar para quantas folhas soltas, manuscritas todas, tinha redigido, esgotados dias em que, durante anos, fora ali perceptor. E da contemplação surgiu, com a nitidez da certeza, a rota do que seria uma outra forma de sobreviver.